“É
ver que a tristeza da perda nos fez crescer. Nos faz repensar nosso lugar no
mundo, o propósito da gente estar aqui” Mário Fellipe - diretor do Espaço
Leitura
Um livro
é sempre um mundo. Qualquer aproximação que fazemos em relação a ele, tocando,
folheando, observando, lendo, sentindo pode desembocar naquilo que entendemos
por intimidade. A intimidade não acontece de repente. Ela precisa de tempo, de maturação.
Nosso primeiro contato com um livro se dá, quase sempre, pela capa. A capa
funciona como uma espécie de roupa, vitrina de um conteúdo tímido ou que opta
por se preservar em um interior para mobilizar nossa curiosidade em conhecer o
que há por trás dessa coisa fechada e um tanto quanto enigmática. O livro é um
verbo. O livro é ação, pois ele se realiza a partir do contato que
estabelecemos com ele e com os modos como criamos outros mundos a partir do
toque, da observação, da leitura, da sensação. Toda leitura é um acontecimento.
No ato de ler livros, pessoas, lugares, comidas, experiências costuramos
roupas-acontecimento para nós, roupas com poderes mágicos, capazes de nos
transportarem para mundos outros, de possibilitarem com que tenhamos muitos nomes,
muitas vidas em uma só. A leitura nos
torna sabidos, críticos, imaginativos, gulosos, curiosos e assim nos tornamos
algo problemático dentro de uma cultura pela aparentemente simples escolha que
fazemos ao elegermos a leitura como o modus operandi que nos movimenta no
interior das cartografias vigentes. Se
um livro guarda toda essa potência, imaginemos então um lugar como uma
biblioteca, morada desses textos-falantes que se arrumam diariamente para nos
receber e oferecer para nós um pouco do pão do espírito que faz o nosso ser um
constante vir-a-ser.
Nesta
manhã de quarta-feira, dia 10 de agosto de 2016 me reporto ao público da cidade
de Itaitinga--- desejoso de que nossa relação com os livros a partir de hoje seja como a daquela menina que Clarice narra
em seu conto Felicidade Clandestina que, quando em posse de um livro que tanto
desejara passa a desenvolver uma relação íntima, sincera e de intensa
felicidade com o mesmo que ela mantém guardado com uma espécie de tesouro,
nutrida pelos efeitos da frase da mãe de sua colega que a permite ficar com o
livro o tempo que ela desejasse. Essa frase possui ressonâncias em sua vida que
converte a urgência em saber o fim de uma história em uma urgência desacelerada
em guardar com muito cuidado uma felicidade experimentada clandestinamente. Nesse contexto, devorar suas histórias
configuraria na perda de sua própria felicidade que ela preferiu regá-la a cada
segundo, temendo que ela acabasse logo. Diferente da menina narrada por Clarice,
teremos oportunidade de experimentarmos diariamente tons diversos de
Felicidade, recepcionada por um céu pintado por galáxias e paredes-vivas de
histórias e personagens flutuantes, gulosos e convidativos ao desfrute de cada
criança, jovem, adulto ou ancião de uma biblioteca que, embora fixa em um lugar
físico é móvel no movimento que cada pessoa dá a ela, movimento expresso na
visita, na curiosidade, na aproximação, no encontro, na experiência.
Damos
início as nossas atividades inspirados na letra da música ABC do Sertão de Luiz
Gonzaga que nos apresenta um novo ABC para além de uma língua que se comunica a
partir das regras gramaticais. Seu novo ABC é elaborado pelo movimento da
experiência do homem do sertão e apresenta sua riqueza pela pluralidade e força
do sotaque. O jota é ji, o éle é lê; O ésse é si, mas o érre tem
nome de rê; Até o ypsilon lá é pissilone; O eme é mê, O ene é nê; O efe é fê, o gê chama-se guê. Assim sendo, que as possibilidades de invenção e suas
encarnações nunca nos deixem paralisar em estantes!
_ Mário Fellipe Fernandes - Diretor do Espaço Leitura do InsTI
|
Caetano e Cláudia Maia - Arquiteta e diretora
do Espaço Criação do InsTI, coordena as obras |
_ Caetano Barros - Artista elaborou o teto da
Biblioteca no Solar do InsTI
Biblioteca da Vida
Após
presenciarmos a inauguração da biblioteca do Instituto Tonny Ítalo, na qual a
emoção sobressaiu em meio a alegria da criançada presente, voltei ao tempo em
meus pensamentos sobre os primeiros contatos com os livros, mas livros juntos,
sobre determinados assuntos, porque na minha escola, embora particular, não
havia esse conjunto, apenas os materiais que a tia pedia.
Num deles, em
Fortaleza, a coleção de minha professora particular, já experiente, das mais
queridas de sua terra, nos sertões discriminados, e noutro na residência de um
tio. Em comum a simplicidade vestida de majestade. Alguns livros usados, outros
desgastados, bem usados, expostos numa arcaica estante, com recortes de papéis
colados por “durex” anunciando: História, Gramática, Santa Bíblia...Aquilo
poderia desagradar o graúdo “doutor”, com sua pomposidade, saudosista das antigas
livrarias, Alaor, Araújo, Morais, mas para mim era um castelo de leitura, de
curiosidades, não importando se resumindo em vinte, trinta livros, pois tinha
nome, biblioteca, apego que convivo até hoje.
Naquela manhã de meio
de semana foram doados 400 exemplares, que, somados aos 600 existentes, a
biblioteca no interior de Itaitinga chegou a mil volumes. A ideia da sua
instalação não existiu, afinal no surgimento do InsTI era evidente que seria a
base do complexo da funcionalidade da ONG. Com os nossos contatos na Biblioteca
Pública do Ceará (Menezes Pimentel) descobrimos o projeto Biblioteca
Comunitária, cuja coordenação ficava no prédio em que nos encontrávamos, no
anexo da Estação João Felipe, e contactamos a equipe.
Aguardamos
a confirmação do CNPJ para, eu, Gláucia Lima e Mário Fellipe, concluirmos o
cadastramento junto à Secult/CE. Em poucos dias recebíamos sete caixas enormes
e mais duas da amiga Linda e iniciamos a exposição. Contamos também com doação particular
de membros e escritores do InsTI.
Houve o contato com o
poeta Almir Mota, que nos envaideceu com a doação do Baú de Leitura, marcando
para o dia 10 de agosto a entrega e rica apresentação teatral da sua Casa do
Conto. Após campanha de arrecadação financeira, que teve no “1º Arraíá do
InsTI” seu marco, nossa arquiteta Cláudia Maia e a presidente comandaram,
durante dois meses, que pareceram dois dias, a ampliação, com o Alpendre do “Sítio
Recreação” e pintura, esta concretizada, no teto, com a tela “Solar”, do
artista plástico Caetano Barros, sintetizando a infinidade e mistérios dos
astros, que as “meninas” chamam de “Céu de Brigadeiro”. Durante as obras, os
pedreiros se interagiram com a causa, tendo, pelas redes sociais, divulgado
mensagens de apoio ao projeto, incluindo menção de solidariedade em mensagem
numa das grandes pedras do sítio.
Na véspera, o trabalho
de limpeza e preparação da estrutura (incluindo a recolocação de todos os
livros nas estantes), que terminou à noite, esforço plenamente
recompensado. Louvamos a Escola Manoel
Ferreira Gomes, dirigida pelo Professor Allan Kardec, e coordenada pela
Professora Minângela pela presença dos seus alunos, que ganharam um kit do
InsTI preparado pela Tia Joyce Sena. Sem essas crianças nada feito. Um amor de
comportamento, uma lição para nós.
De dentro do ônibus,
na saída, enquanto me saudava com “tchau”, um pequenino, que por sinal saiu na
foto do Jornal O Povo no dia seguinte (com um livro na mão), olhava para a
casinha, como se quisesse voltar, fazer como eu criança, nas casas do meu tio e
da Tia Edna, folhear, folhear e dizer pra mamãe: “conheci uma biblioteca”.
_Lucas Jr. - Coordenador da Biblioteca Comunitária do InsTI
|
Fac Símile do O Povo |
O Povo –
Inauguração da Biblioteca do InsTI
TONNY ÍTALO 11/08/2016 O Povo
INSTITUTO TONNY ÍTALO RECEBE LIVROS PARA EXPANDIR
ATIVIDADES
Projeto social criado pela família do policial
Tonny Ítalo foi alternativa encontrada para lidar com a dor da perda
Instituto Tonny Ítalo recebe livros para expandir
atividades → https://t.co/dukzYRFLQR →
link traz matéria completa
Mário
Fellipe - diretor do Espaço Leitura e Lucas Jr, - coordenador da Biblioteca
comunitária do InsTI concedem entrevista para o Jornal O Povo
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